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Instigantes reflexões sobre a constituição do fantástico na modernidade e suas relações com o saber moderno podem ser encontradas na obra “A tessitura do Fantástico: narrativa, saber moderno e crises do homem sério”, de Nuno Manna.

O livro apresenta um percurso sobre a presença do fantástico na literatura e na cena cinematográfica, mostrando exemplos ricos sobre diversas obras marcadas pelo fantástico em suas narrativas. No cinema, o autor aprofundou seu olhar para O homem sério (EUA, 2009) – filme de Joel Coen e Ethan Coen.

Na introdução da obra, chamada de “Por que o Fantástico”, Manna expõe ideias de diversos pensadores, como Tzvetan Todorov, para apresentar olhares sobre o fantástico.  “Em sua caracterização do fantástico, Todorov se refere a uma extensa e importante produção da literatura ocidental oitocentista”, diz o autor, na página 17 do livro. Nuno cita a opinião do italiano, teórico da literatura, Remo Ceserani, de que o fantástico é um componente importante para a chamada literatura da modernidade. O autor ainda referencia Ceserani para dizer que o fantástico continua presente e tem espaço na literatura ocidental e está presente em vários gêneros narrativos. O fantástico, de acordo com Nuno, tem expressões na literatura do século XX, em obras de autores como Franz Kafka, Jorge Luis Borges e José Saramago.

Ainda na introdução, Nuno enfatiza que o fantástico no cinema também lhe chama atenção e que a sétima arte oferece uma diversidade de narrativas fantásticas. “O dispositivo cinematográfico possui um caráter privilegiado na realização do fantástico, ao permitir dar a ver uma realidade invadida pelo sobrenatural, pelo insólito, pelo absurdo, pela crise da normalidade”, afirma na página 19.

Além da introdução, a obra “A tessitura do Fantástico: narrativa, saber moderno e crises do homem sério” é composta por três capítulos principais. O primeiro, com o título de “A genealogia do Fantástico”, expõe, segundo o próprio autor, questões relacionadas à compreensão dos problemas que são enfrentados no entorno da constituição de questões importantes para a ligação do fantástico ao saber moderno. Neste capítulo, Nuno salienta o início de um percurso genealógico do fantástico, tanto na forma de resgate, como na forma propositiva.

O autor salienta que a obra Introdução à literatura, de Todorov, é importante referência sobre o fantástico. E enfatiza que Todorov, em seu olhar, dá destaque à distinção instaurada pelo fantástico na percepção da realidade. Na página 25, Nuno analisa o fantástico a partir do olhar de Todorov: “Relacionado a estados ‘mórbidos’ da consciência, o fantástico manifestaria uma laceração do mundo da regularidade a partir da aparição daquilo que não pode aparecer, mas aparece”. O autor acrescenta que Todorov mostra que o texto fantástico sempre vai ser desafiador a alguém em relação a escolher uma explicação que seja natural ou uma explicação que seja sobrenatural sobre os eventos. Seguindo a argumentação, o autor salienta que há vários teóricos, próximos a Todorov, que vão destacar a relação entre o fantástico e a realidade social. Faz parte do pensamento de Manna a perspectiva de que o fantástico tem seu surgimento na literatura, colocando a racionalidade moderna em conflito. Na página 36, salienta: “É da narração desse conflito que parece nascer sua capacidade de desconcertar seu leitor”.

Discorrendo sobre a narrativa fantástica, Manna enfoca que ela pode ser identificada com a subversão da normalidade pela desestabilização da ordem e com a quebra de certos nexos que fazem a ligação entre causa e consequência.

O segundo capítulo, com o título de “A genealogia do Fantástico”, fala sobre a presença do fantástico no cinema e em suas imagens. Em relação ao cinema, o autor, ainda na introdução da obra, diz que a sétima arte possui um caráter de privilégio na constituição do fantástico, tendo em vista que dá visão a uma realidade que pode estar permeada pelo sobrenatural, pelo insólito, pelo absurdo, pela crise da modernidade. Na página 19, Manna salienta: “Desde a sua criação e até hoje, o cinema nos oferece uma vasta produção de narrativas fantásticas […]”.

Na discussão sobre o fantástico no cinema, Nuno aborda a riqueza da narrativa fílmica para expressão do fantástico. Ele aponta que na sétima arte, o fantástico tem amplas possibilidades de expressão. Desta forma, o cinema mostra-se como um dispositivo privilegiado para a consolidação de narrativas fantásticas. Nuno enfoca que as experiências do expressionismo alemão foram importantes laboratórios do fantástico no cinema. O impressionismo francês e o cinema mudo sueco também são apontados pelo autor como algumas das primeiras manifestações do fantástico no cinema.

No decorrer da reflexão sobre o fantástico no cinema, o autor salienta que, nas últimas décadas, estamos assistindo a uma vasta safra de narrativas fantásticas, as quais conduzem o homem a seu limite existencial. A instigante obra é finalizada com um capítulo de discussões sobre o fantástico em O homem sério. A partir de uma leitura do filme, o autor infere que a narrativa fantástica evidencia a crise do saber moderno, e aponta na obra dos irmãos Coen para a encruzilhada entre o fantástico e o cinismo no mundo contemporâneo.

Referência

 

MANNA, Nuno. A tessitura do Fantástico: narrativa, saber moderno e crises do homem sério. São Paulo: Intermeios, 2014.