Isso a Globo não mostra: A TV indo aos memes

Na edição de 20/01/2019 do Fantástico, a revista eletrônica da Rede Globo, estreou ‘Isso A Globo Não Mostra’. Trata-se de um quadro humorístico escrito por um grupo de roteiristas do programa Tá no Ar em parceria com o site Sensacionalista que, através do remix do vasto banco de imagens produzidas pelo canal, busca rir da própria Globo.

O título do quadro recupera uma frase usada de maneira negativa há alguns anos para se referir à emissora e sua omissão transformando-a numa marca e em um esforço inicial de mudança de uma imagem sisuda para uma Globo que se “auto-trolla” e que ri de si mesma.

O primeiro episódio utiliza momentos historicamente constrangedores da história recente da TV como a atriz Susana Vieira cantando em italiano numa montagem diante dos técnicos do The Voice Brasil ou a entrevista da robô Sofia – a robô celebridade mais inteligente do mundo – ao correspondente internacional Álvaro Pereira Jr, sendo que suas respostas foram trocadas pelo áudio do meme “Barbie Fascista”.

Figura 1: Crédito Globo/ Divulgação

Para além dos produtos de humor do canal, ‘Isso A Globo Não Mostra’ recorre à linguagem da internet, em especial à estética do meme visando, entre outras coisas, alavancar a audiência do programa dominical.

O meme de internet tem se consolidado como um dos mais populares artefatos que compõem a linguagem nativa deste meio e seu uso, diante de diversas outras funções, atua também na intenção de preencher uma possível lacuna  que o texto não dá conta. Ampliando o conceito com base nos estudos desenvolvidos por SHIFMAN (2013) e MARTINO (2017), os memes de internet podem ser entendidos como piadas, rumores, vídeos e imagens, que fazem referência a uma série de outras imagens e fatos, que se reproduzem em larga escala a partir de uma fonte e da qual são elaboradas  um número infinito de variações, que se propagam de pessoa para pessoa através das redes sociais digitais na internet.

Reconhecendo no quadro o uso ou a intenção de criar memes, vale ressaltar que a natureza deste artefato digital é orgânica, coletiva e não institucional. Em seu texto para o site A Escotilha, Maura Martins (doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo/USP), chama de “meme oficial” esta categoria de meme institucionalizado e que pretende ser compartilhado da mesma forma que os memes de internet. O quadro ‘Isso A Globo Não Mostra’ já se revelou efetivo em uma dessas tentativas ao utilizar o trecho de uma matéria do programa ‘É de Casa’ em que a apresentadora Ana Furtado repete diversas vezes a expressão “Três Reais!” ao se impressionar com o custo de produção de uma carteira artesanal. O trecho faz referência direta uma declaração do candidato à presidência Ciro Gomes que, relaciona o candidato Jair Bolsonaro a uma cédula de três reais, feita ainda durante a corrida presidencial. Hoje, o meme “Três Reais!” já pode ser encontrado em incontáveis variações geradas na internet, a partir do exibido no quadro de humor.

Figura 2 Crédito Portal O Mundo

Se a tentativa de ressignificação do bordão e consequentemente de sua imagem já dão sinais de sucesso, dada a repercussão dos episódios ao longo da semana e sua permanência nos trendic topics no Twitter, tanto no domingo da exibição quanto na segunda-feira, o quadro também tem se utilizado dos memes para fazer críticas diretas ao atual governo brasileiro. Numa iniciativa polêmica e que tensiona sua relação com a audiência, se estabelece o ambiente em que o público responde, algumas vezes, também através de memes. E esta ação recorre ao uso do meme político.

O meme político é aquele que “independente da chave emocional utilizada, se propõe a levantar um ponto, participando do debate normativo sobre como o mundo deveria parecer e a melhor maneira de chegar lá” (SHIFMAN, 2013, p. 67). Seu uso tem aberto uma possibilidade de experiência de sociabilidade e de participação política por parte da população, ainda que pela via do compartilhamento de peças de humor e ironia.

Entre alguns exemplos exibidos no quadro dominical, destacam-se o uso de imagens do salão vazio para a coletiva de imprensa durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, onde o presidente e sua comitiva eram aguardados e não compareceram, em montagem com trechos de novelas globais em que os personagens perguntavam: “Cadê eles?”, “Fugiram!”, “Eles não apareceram”.

Em um outro exemplo mais recente, ‘Isso A Globo Não Mostra’ fez o caminho contrário e trouxe um meme já popular na internet para o seu quadro na 8ª edição (10/02/2019) alterando apenas o seu formato de meme foto-legenda para meme em vídeo montagem. Nele, um tweet do presidente Jair Bolsonaro é apresentado como pergunta da audiência dentro do programa Altas Horas, em um bloco do programa em que uma sexóloga responde e orienta os jovens da plateia.

Figura 3 Crédito Reprodução/ Globo

Ao lançar mão dos remixes de seus produtos audiovisuais aliados aos recentes fatos políticos e sociais do Brasil, ‘Isso A Globo Não Mostra’ caminha na intenção aparente de mudança de imagem institucional e de estabelecer um novo vínculo entre a emissora, o cidadão/espectador/produtor de conteúdo e as questões sócio-políticas nacionais.

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REFERÊNCIAS:

MARTINO, S. M. L.; GROHMANN, R. A longa duração dos memes no ambiente digital: um estudo a partir de quatro geradores de imagens online. Revista Fronteiras – estudos midiáticos 19(1):94-101 janeiro/abril 2017. Fronteiras. Disponível em: <http://revistas.unisinos.br/index.php/fronteiras/article/view/fem.2017.191.09/5919>. Acesso em 10 mar. 2019.

MARTINS, M.  “Isso a Globo não mostra capitaliza a crítica à grande emissora” A Escotilha, 28/01/2019. Disponível em: < http://www.aescotilha.com.br/cinema-tv/canal-zero/isso-a-globo-nao-mostra-sensacionalista-ta-no-ar-fantastico-analise/> Acesso em: 13 mar. 2019.

SHIFMAN, Limor. Memes in digital culture. Cambridge: MIT Press, 2013.