q98a6999[1]

Foto: Celso Tavares/G1

A Mídia Ninja é um coletivo criado na relação com o Fora do Eixo que teve sua visibilidade ampliada durante as manifestações de junho de 2013 no Brasil e, desde lá, tem se tornado um dos principais produtos a fazerem uma cobertura considerada alternativa sobre fatos acontecidos no país. Dois acontecimentos em São Paulo durante os meses de setembro e outubro confirmam a importância da Mídia Ninja para as disputas em torno das narrativas do nosso momento atual: a exposição corpo a corpo no Instituto Moreira Salles, sob curadoria de Thyago Nogueira, e o lançamento da Casa da Mídia Ninja no último dia 16.

No primeiro, Nogueira exibe a Mídia Ninja como um dos sete trabalhos em fotografia, cinema e vídeo que sugerem “um embate físico, um confronto de idéias ou o contato direto de um político com seu eleitorado”, explicitados pela expressão-título da exposição. O corpo compreendido “como instrumento de representação social e política – seja através de sua presença física e simbólica nos espaços públicos, seja como o lugar de construção da identidade, seja ainda como o veículo condutor da câmera, com a qual ele às vezes se confunde”. Sendo esse último o caso explicitado pelos corpos dos jovens-ninja que operam as câmeras.

Em um trabalho anterior, nós analisamos essa relação entre corpos e as câmeras utilizadas pela Mídia Ninja (ver Ferreira 2016) compreendendo que esta se estabelece, por um lado, através de vínculos afetivos com os mais jovens que participaram das manifestações de junho de 2013 (e hoje com aqueles que assistem e participam de outras manifestações, como a Marcha das Mulheres e dos indígenas). “A Mídia Ninja, ao se colocar ao lado dos manifestantes, recorre às afiliações afetivas entre quem narrava e quem era objeto das narrativas, tanto pela idade próxima de repórteres e manifestantes quanto por assumir fazer parte daqueles protestos” (FERREIRA, 2016, p. 144).

E, por outro lado, pela articulação de formas de fazer e ver de diferentes lógicas produtivas. “Se, por um lado, este produto recorre aos planos-sequência, à narrativa em primeira pessoa e se insere na poética do registro amador, que tem ganhado destaque na linguagem televisiva brasileira; por outro, se relaciona diretamente com diversos elementos da internet – a transmissão do celular, a cultura peer-to-peer, o armazenamento das coberturas em vídeos de 15 a 30 minutos, o estabelecimento de perfis em diversas redes sociais” (idem).

Concordamos com Nogueira quando ele anuncia que é na forma e não só no conteúdo que “está a contribuição radical do grupo” e quando recorre à ideia da câmera-olho de Dziga Vertov para caracterizá-lo: a ideia do registro daquilo que o olho não vê. No caso da Mídia Ninja, as manifestações cobertas do lado dos manifestantes quase ininterruptamente, conferindo a elas a visibilidade que não possuíam até o momento nos chamados meios de comunicação tradicionais. Nas palavras do curador: “uma forma persuasiva de representação visual, capaz de amplificar vozes e conectar grupos”.

Estar nessa exposição é mais uma tensão estabelecida pela Mídia Ninja. Ao ter suas imagens dispostas e sendo atualizadas até o final da exposição (iniciada no dia 20 de setembro e com duração até 30 de dezembro deste ano), esse produto questiona aquele espaço. As ruas e pautas cobertas pelos ninjas são colocadas naquele prédio em diálogo com artistas. O cinema de guerrilha anunciada por Nogueira como caracterizador dos vídeos do coletivo encontram ali mais uma trincheira que coloca em perspectiva o que poderíamos achar que veríamos numa exposição. Em vez de ser mais uma peça de exposição, as imagens em vídeo, as narrativas gritadas, os corpos dispostos fazem aquele espaço encravado na Avenida Paulista, centro financeiro e cultura de São Paulo, se mover.

No segundo, o lançamento da Casa da Mídia Ninja, a ser ocupada na rua Rego de Freitas 553, no mesmo prédio da Casa do Baixa Augusta, em frente à Praça Roosevelt, tem como proposta ser um espaço fixo de debates, às segundas-feiras, e de compartilhamento de espaço de pessoas interessadas a colaborarem com a Mídia Ninja. O projeto claramente retoma a iniciativa da extinta casa Fora do Eixo e contou no ato do dia 16 com uma conversa entre Caetano Veloso e Cláudio Prado, mediada por Antonia Pelegrino, roteirista e membro do coletivo Agora é que são elas, e da cantora e atriz Thalma de Freitas. Prado e Pelegrino, além do apresentador e criador da Casa do Baixa Augusta, Alê Youssef, são colunistas da Mídia Ninja.

No debate, antecedido por um vídeo com imagens editadas da Mídia Ninja e suscitado pela premissa de debater o relançamento do livro Verdade Tropical, Veloso e Prado expuseram uma conversa de velhos amigos, contrastando suas visões sobre o uso de drogas – enquanto Caetano afirmava que não tinha usado, Prado reforçava que o LSD havia sido central para sua experiência na Londres dos anos 1960 – e sobre a potência do celular, com o primeiro alertando para a concentração em torno das grandes corporações como o Google e Facebook, e o segundo dizendo que os aparelhos são “coquetel molotov” que permitem a existência de iniciativas como a Mídia Ninja. Além das divergências, Veloso e Prado convergiram sobre as intenções do Movimento Brasil Livre: falar sobre questões morais até 2018 a fim de contaminar o debate das eleições do próximo ano e desviar de denúncias que atingem o atual governo.

Nos dois momentos, a Mídia Ninja parece reforçar a conclusão a que chegamos sobre ela no trabalho citado anteriormente: é através da aproximação com certo tipo de juventude – “que está conectada e interessada em participar das manifestações fazendo as narrativas e/ou sendo objeto delas, ser cidadãos-multimídia”, que estavam presentes nas imagens da exposição e na platéia do lançamento da sua sede – que ela “constrói a sua autoridade”, disputa “com os discursos que estavam sendo produzidos pelos veículos tradicionais” e se configura “enquanto um artefato cultural, político e midiático” (Ferreira, 2016, p. 144) que tensiona aspectos do entorno tecnocomunicativo configurador do atual contexto brasileiro.

Referências

Ferreira, Thiago. Mídia Ninja e juventude: corpos e afetos na disputa política e nas narrativas audiovisuais. In JESUS, Eduardo; TRINDADE, Eneus; JANOTTI Jr., Jéder; ROXO, Marco (org.). Reinvenção comunicacional da política: modos de habitar e desabitar o século XXI. Salvador: EDUFBA; Brasília: Compós, p. 129-145, 2016.

Gutmann, Juliana F. Formas do Telejornal: linguagem televisiva, jornalismo e mediações culturais. Salvador: Edufba. 2014.

[1] Fazemos referências aqui ao conceito elaborado por Gutmann (2014).