Você provavelmente já conhece o K-pop, e talvez até goste, sem saber do que se trata. Quem não se lembra do sucesso musical de 2012 do cantor Psy chamado Gangnam Style? O videoclipe desta música é o vídeo mais assistido de todos os tempos na internet, com quase 3 bilhões de visualizações no site Youtube. Mas, então, o que é o K-pop? É como se convencionou chamar o estilo de música pop produzido na Coreia do Sul (a letra K vem de Korea) e é um dos braços da chamada Hallyu (Onda Coreana), caracterizada como o espalhamento pelo mundo de produtos culturais coreanos como a música, filmes e produtos televisivos (conhecidos como doramas).

O marco inicial do K-pop é tido como o lançamento da música Nan Arayo pelo grupo Seo Taiji & Boys no ano de 1992. A música misturava elementos do hip-hop, movimentos urbanos de dança e dialogava com a juventude da época. A partir daí, agências de entretenimento sul-coreanas começaram a se interessar pelo mercado da música pop e ter como seu público-alvo os jovens do país e de países vizinhos. Três empresas se destacaram, a SM Entertainment, YG Entertainment e JYP Entertainment (chamadas de Big 3) treinando em um primeiro momento grupos masculinos (boybands) e depois também grupos femininos (girlbands) que se destacavam pela estética pop e passos de dança sincronizados. Esta primeira investida no mercado musical ficou conhecida como primeira onda Hallyu.

A segunda onda Hallyu se deu no início dos anos 2000 com o sucesso de grupos coreanos em outros países do sudeste asiático, principalmente Japão e China, cantando nas línguas nativas desses países. Em 2008, outras agências surgem e o mercado musical sul-coreano consegue uma expansão maior para países ocidentais e de língua inglesa. Surgem aí grupos que, em sua maioria, ainda estão ativos e com uma grande quantidade de fãs como Girls’ Generation, Super Junior, BIG BANG, 2ne1 e SHInee.

O fenômeno K-pop já vem agregando fãs desde o início dos anos 2000, mas se consolidou com mais força pelo mundo a partir de 2010 com o sucesso de músicas como Gee da banda Girls’ Generation. A partir daí, a comunidade de fãs dos grupos se expandiu e deixou de ser limitada a Coreia do Sul e países vizinhos. Mas qual a diferença do K-pop para a música pop produzida nos EUA e Reino Unido? Existem algumas diferenças que quando exaltadas são tomadas pelos fãs como principais motivos para preferirem à música pop asiática a produzida em língua inglesa.

Algo que notamos em um primeiro momento é o culto a beleza dos grupos musicais. Os idols (como os artistas são conhecidos pelos fãs) exalam perfeição estética de todas as formas. Os rostos femininos e masculinos são esculpidos geralmente por cirurgias plásticas (1 em cada 5 sul-coreanos fizeram algum tipo de cirurgia plástica1 ) e por uma grande quantidade de maquiagem. Enquanto os corpos femininos são em sua maioria magros e com a pele alva, os masculinos são musculosos ou magros e delicados. Uma das cirurgias mais comuns realizadas pelos artistas é a de pálpebras, para ocidentalizar a aparência dos seus rostos.

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Cantora Park Bom do extinto grupo 2ne1 | Fonte: Google

Outra diferença é que no universo K-pop, existe uma relação muito forte entre o feminino e a infantilização. As girlgroups são representadas ou como garotas fofas ou como sexys. Essa fofura na cultura coreana é tão forte que recebe até um termo especifico na língua que é o aegyo. Apesar dos homens também serem exigidos por fãs e produtores a participarem da cultura aegyo, a dicotomia da representação masculina fica mais pautada entre homens sexys e viris e os conhecidos como flower boys que seriam os rapazes mais delicados. Na cultura ocidental existiria uma ligação dessa representação com a homossexualidade, o que não ocorre necessariamente na Coreia.

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Idols fazendo aegyo | Fonte: Google

 

A participação do governo sul-coreano nos investimentos de exportação da música também é mito importante. “Em 2005, o governo aportou 1 bilhão de dólares para investir na indústria pop que hoje movimenta 2 bilhões de dólares por ano” (KARAM; MEDEIROS, 2015). Todo esse investimento foi feito quando o governo viu que seus produtos culturais poderiam ser um dos alavancadores da economia do país a partir do final dos anos 1990. Assim, as agências de entretenimento do país receberam e ainda recebem inúmeros incentivos fiscais e financeiros do governo para que a indústria K-pop continue acontecendo e continue sua expansão.

Além do incentivo governamental, outros elementos foram essenciais para a expansão da música pop coreana pelo mundo. A utilização da internet como meio de contato entre os ouvintes e os produtos foi um deles. O K-pop está interligado a dois momentos muito específicos do compartilhamento de música pela internet. O primeiro sendo a invenção da extensão .mp3 que no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 permitiu que usuários no mundo todo começassem a baixar, primeiramente de forma ilegal, as músicas e álbuns que queriam escutar. E em um segundo momento, com o lançamento do site Youtube que permitiu que vídeos fossem assistidos todos em uma só plataforma e acabou se tornando um dos principais produtores e disseminadores de conteúdos audiovisuais no mundo hoje. O K-pop, a partir do Youtube, conseguiu chegar a públicos antes ainda distantes geograficamente e culturalmente de suas músicas. E outro fator para isso foi que a dança é um dos elementos essenciais do consumo da música pop coreana.

A dança e a coreografia são os elementos mais compartilhados pelos fãs de K-pop no mundo. Já que a língua coreana não é de fácil compreensão para quase ninguém fora da Coreia, foi a partir dos passos de danças que misturam elementos do hip-hop, influências de Michael Jackson e danças tradicionais coreanas, que os fãs ao redor do mundo conseguiram se identificar com a música. A visualidade do K-pop é um dos elementos que mais se destaca, não só nas coreografias, mas também na produção de seus videoclipes, geralmente com um alto investimento e que remetem a ideias de fantasia e artificialidade estética.

A partir daí, inúmeros fãs e fandoms (como é conhecido o grupo de fãs de determinado grupo) se formaram ao redor do mundo e começaram a compartilhar pela internet materiais e produções covers em homenagem a seus artistas favoritos. Desde desafios de dança em público, desafios de dança coletivos ou covers de suas músicas favoritas. Outro fator importante que observamos a partir disso é como há uma questão no tangente a sexualidade e identidades de gênero na apropriação que esses fãs fazem da música K-pop, mesmo que isso não esteja presente necessariamente no conteúdo da música ou na mensagem que os grupos passam. Há uma ressignificação das músicas e passos de dança no momento em que meninos dançam músicas de girlgroups ou vice-versa e se utilizam disso para afirmar sua sexualidade e identidade LGBTQ.

Referência

CRUZ, C. A. da. E precisa falar coreano? Uma análise cultural do K-Pop no Brasil. Monografia – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.

KARAM, K.; MEDEIROS, M. C. Subcultura, estratégia e produção de gosto: uma análise do k-pop no Brasil. In: Comunicon, 5., 2015, São Paulo. Anais do Congresso Internacional Comunicação e Consumo. Disponível em: <http://anaiscomunicon2015.espm.br/GTs/GT7/16_GT07-KARAM_MEDEIROS.pdf> Acesso em: 02 ago. 2016.

TAMBLYN, A. K-Pop Beauty Factory. 2013. Disponível em: <https://japansociology.com/2013/12/17/k-pop-beauty-factory/>. Acesso em: 02 ago. 2016.