A trama comunicativa da educação: a reinscrição do espaço universitário no/pelo audiovisual¹

A experiência audiovisual contemporânea proporcionada pelas mudanças sociotécnicas do contexto comunicativo, tem reinscrito o espaço da universidade no midiático a partir do fenômeno das(os) influencers acadêmicas(os). A circulação e a produção de saberes, narrativas, sensibilidades, linguagens e percepções, articulam-se a práticas sociais, corpos e tecnologias, evidenciando a trama comunicativa do sistema educacional atual em que as novas formas de produzir comunicação tem construído outros modos de expressividades de imagens e sons, marcados pela fragmentação, deslocamentos e borramento das fronteiras espaciais e sociais (Martín-Barbero; Rey, 2001, p. 49).

Há de observar que a questão do audiovisual na educação não é nova. No Brasil, podemos encontrar diversas iniciativas que utilizaram os meios massivos como recurso pedagógico para a educação popular. Na década de 1970, a Fundação Roberto Marinho deu início ao projeto de teleaulas por meio da televisão, primeiro com o Telecurso 2º Grau, 1977, depois o Telecurso 1º Grau, em 1981 e, o mais popularizado pela TV Globo, o Telecurso 2000, em 1995, cujo objetivo era ensinar as disciplinas do ensino fundamental e médio. Podemos citar também o projeto Vídeo nas Aldeias (VNA), instituído em 1986 pela ONG Centro de Trabalho Indigenista e a TV Escola, fundada em 1996 pelo Ministério da Educação, ambos interessados no audiovisual como apoio didático.

O fenômeno das(os) influencers acadêmicas(os), embora também não seja relativamente novo, tem se acentuado com outras nuances nos últimos anos. Pesquisadores apontam que desde a primeira década do século XXI, já podíamos notar seus traços (Buitrago; Torres-Ortiz, 2022), reconfigurando a comunicação audiovisual por meio de outras formas de sociabilização e reorganização das experiências culturais, políticas, sociais e econômicas. Ainda assim, a inserção da trama de imagens e sons ao campo da produção científica, nos exige pensar as mutações sociotécnicas que tem desafiado atualmente o sistema educativo, sobretudo a universidade. Principalmente porque, na experiência audiovisual nas ambiências digitais, soma-se às imagens e sons, a reapropriação de textos visuais e verbais.

Argumento, a partir de Martín-Barbero (2023), que as visibilidades culturais das visualidades e sonoridades relacionadas a reinscrição do espaço da universidade no contexto comunicativo, “emergem nos novos regimes da tecnicidade” (p. 104). Ou seja, essas visualidades e sonoridades não se dão por uma destreza e uma habilidade de manusear um aparato tecnológico, no caso, as plataformas digitais, mas pelo uso que se faz dessas técnicas para se expressar, criar e comunicar, exigindo novos modos de aprender, de ler, de perceber, de ver, de ouvir, de escrever e de sentir.

O fenômeno das(os) influencers acadêmicas(os), como Kananda Eller (@deusacientista) e Thiago de Souza (@canaldothiagson), exemplifica essa reinserção do espaço acadêmico no e pelo audiovisual. Ambos utilizam as plataformas digitais para produzir conteúdos que tematizam a intersecção entre ciência, sociedade e universidade, entrelaçados às experiências raciais, de gênero e de classe, numa dimensão individual e coletiva.

Kananda Eller, baiana do subúrbio ferroviário de Salvador que atualmente reside em São Paulo, destaca em sua biografia do Instagram, “Química e Mestra Ensino de Ciências Ambientais – USP”. Ao compartilhar com seus seguidores a alegria de ser anunciada como apresentadora do documentário “Ciência: Substantivo Feminino”², série do GNT em parceria com a Grifa Filmes, relata seu desejo de transformar o olhar sobre o corpo negro a partir da ciência. Há, em suas produções audiovisuais, um padrão estético visual marcado pela aceleração e pelo uso de thumbnail com textos visuais, uma gestualidade corporal e sonora direcionado a geração Z, movimentos de câmera dinâmicos, enquadramentos que ora se aproxima, ora se afasta do corpo.

De modo semelhante, o canaldothiagson no Instagram, de Thiago de Souza, tematiza em suas produções audiovisuais a relação entre educação, música e cultura, a partir de temáticas do funk, música na universidade, racismo na música, música e sexualidade, entre outros. Thiago, baiano radicado em São Paulo, é doutor em Musicologia pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisador, funkeiro, professor de música, palestrante, escritor, compositor, digital influencer e criador de conteúdo adulto. Em seu canal aparecem elementos expressivos que marcam sua relação com o funk, tais como, bonés, cordões, tatuagens, óculos estilo juliet e os riscos verticais em uma das sobrancelhas. Inclusive, a imagem da tatuagem escrito “putaria”, é a que mais aparece visualmente em seus vídeos. Aparece também uma articulação com o cotidiano, do ponto de vista das sonoridades, a partir de gírias e códigos que se relacionam com seu lugar de pertencimento.

A relação entre o audiovisual e a educação proporcionada por essa tessitura comunicacional, não está restrita à mera ferramenta de ensino-aprendizagem ou espaço de divulgação científica. Pelo contrário, emerge dessa intersecção o entrelaçamento de formas audiovisuais, corpos, tecnologias, afetos e memórias entre a comunicação e a construção do que é o espaço da universidade. Nesse contexto comunicativo, portanto, a dimensão corpórea ganha centralidade nessas produções audiovisuais, caracterizando-se enquanto uma instância cultural de articulação da experiência audiovisual contemporânea.

¹A presente discussão integra parte de minha pesquisa de doutorado.

²Disponível em: https://tinyurl.com/2ewv88b8. Acesso em: Agosto de 2024.

Referências
BUITRAGO, Álex; TORRES-ORTIZ, Lidia . Divulgación científica en YouTube: Comparativa entre
canales institucionales vs. influencers de ciencia. Fonseca, Journal of Communication, p.127-148,
online, 2022.
MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, German. Os exercícios do ver: hegemonia, audiovisual e
ficção televisiva. São Paulo: Editora SENAC, 2001.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. A comunicação na educação. São Paulo: contexto, 2023.