O título de cima é a descrição de uma das contas de Instagram da Família do Jardim da Margaridas ou as Girls do JDM, e se relaciona com contas como NÓS FAZ A MÍDIA 071, que partilham conteúdo de eventos, acrobacias em moto, modelos e festas de paredão. A gente que faz a mídia funciona neste texto como chave analítica para pensarmos os engajamentos afetivos no contexto das festas de rua periféricas na América Latina e o Caribe. A seguir serão esboçados exemplos de práticas relacionadas às questões: quem faz a mídia? Como se faz a mídia? E quais mídias são essas que a gente faz? Questões que, de fato, vão além da noção convencional de mídia para entrar nos fluxos audiovisuais, analisando como, através de permanências e transformações, se articulam agentes, performances e espaços, contribuindo para os engajamentos identitários nos fenômenos de sound system no nosso continente.

O quadro a seguir mostra três trechos de faixas produzidas nos gêneros pagodão (Brasil), champeta (Colômbia) e dancehall (Jamaica); o que tem em comum esses trechos é que mencionam a produtores, divulgadores, sound systems, empresas e demais figuras relevantes que o cantor quer destacar:

Pagodão baiano

(clic para ouvir)

 

Champeta cartageneira

(clic para ouvir)

 

Dancehall jamaicano

(clic para ouvir)

 

ALÔ @NV_SOM, @JP.NETT, @MT_DIVULGACOES, @PALIO_4M, Bota pra explodir @NEGUINHODOCELTA… @BRUXO_PAREDAO!! Alberto, Sobrino y el Yorbis

Riki Flow, Papo Iriarte, Juanda Iriarte, Leonardo Iriarte e Ronaldo Junior, Big Jey the producer!

Wayne Lonesome fly off those dem, Now mi go big up di man Wayne Lonesome Junior big up mi seh to di maximum…

 

O que no pagodão se chama de salve, na champeta tem o nome coba e no dancehall se conhece como big up; nesses três casos é uma prática articuladora acionada pelos artistas/MC´s para chamar a atenção e vincular na sua performance figuras específicas. Nem todo o mundo é referenciado nas faixas ou nos shows e por isso produtores, patrocinadores ou artistas podem ter disputas ou até cobrar por fazer salves. Do mesmo jeito que na ciência as métricas de citação em textos podem dar conta da relevância de um autor, figurar ou ser relevante no pagodão se relaciona com ser mencionado em muitas músicas. Não é ABNT, mas a referência está aí.

Figura 1. Story de Instagram de @jr_0brabo. Data: 14/05/2025

Voltando ao quadro, a música utilizada como exemplo do pagodão baiano, se chama “NA ONDA DO JACK” de JR O BRABO. A transcrição do salve inclui o signo @ porque o artista fez uma postagem na sua conta de Instagram (figura 1) utilizando a faixa e reiterando o salve através dos stories e os links aos outros perfis. Partindo da referencialidade como prática articuladora no pagodão, a seguir serão abordados três casos de “salves” a serem analisados desde sua referencialidade na construção do nós (a gente) que faz a mídia.

O primeiro caso são os adesivos nos paredões. Esses sound systems são construídos a partir de modificações e junção de componentes de som em veículos automotores. É comum ter nas caixas de som, no rack de controle ou nas janelas do carro grupos de adesivos com os identificadores não só do paredão em questão, mas da pessoa que construiu as caixas, da loja de componentes eletrônicos ou do fornecedor de músicas atualizadas.

Figura 2. a. Reel da conta @neguinhodocelta mostrando seu paredão.

Figura 2. b. Reel da conta @paredoes.dabahia_ mostrando dois homens dançando.

A visualidade do paredão é também uma plataforma referencial porque nos vídeos, postagens e demais fluxos audiovisuais produzidos pelo sound system ou onde o sound system aparece, essas outras “marcas” aparecem também[1]. Na figura 2.a é possível observar a partir dos adesivos que o paredão do Neguinho do Celta se relaciona com ItaloCDS e Svati Sound, provedores de repertório musical atualizado, caixas e componentes. Da mesma forma na figura 2.b, é possível afirmar que o acontecimento registrado vídeo (dois homens dançando) aconteceu no paredão do Neguinho do Celta, pois ainda que ele não seja etiquetado ou reconhecido por algum espectador, do lado do seu rack de controle aparece o identificador legível num adesivo. Não é ABNT, mas a referência está aí.

O segundo caso são as postagens da presença VIP divulgadas antes das festas de paredão. Esse tipo de imagem é desenvolvida a partir de um template do evento para pessoas que produzem conteúdo (Blogueira/os) e podem ter um papel importante na festa. No caso da figura 3, essas imagens foram feitas pelo organizador do evento com retorno através de um grupo de whatsapp, publicando e repostando na página oficial só as imagens de mulheres e deixando as outras para as pessoas postarem nos seus perfis.

Figura 3. Stories de um evento de paredao confirmando presenca VIP.

Ao ter sua imagem incluída na estratégia de comunicação da festa de paredão e postá-la nas suas próprias redes, cada uma dessas blogueiras contribui ao evento mesmo se não comparecer, porque partilhando essas imagens nas suas redes se enunciam como VIP nesse evento. Não é só que uma festa vai acontecer, é que X pessoa/artista/paredão vai estar aí. A referencialidade como prática contribui a construção do nós (a gente) que compõe fluxos audiovisuais e um entorno tecnocomunicativo.

O último exemplo de prática referencial no contexto do pagodão são os vídeos de registro e edits feitos no lugar e postados depois da festa de paredão. Para o anterior vou introduzir o trabalho de William Marques, filmaker reconhecido nos circuitos do pagodão em Itapuã (Salvador) que gerencia estratégias de comunicação e divulga produtos audiovisuais sob o selo WM Produções. Quando chega no rolé, William não só registra através de vídeos e fotografias, ele também engaja aos demais assistentes pelo fato das suas produções dar conta dos melhores momentos e pessoas destacadas das festas. “Filma WM!” é a frase utilizada pelas pessoas para chamar ele ou para ser gravados por ele enquanto performam seu molho. Filma WM é também uma prática referencial, pois quem dança ou gesticula para a câmera sabe que aparecerá depois na mídia postada pela WM Produções.

Figura 4. Reel da WM Produções em retrospectiva da festa no Paredão do dendê (Itapuã, 2025)

Figura 5. Assistente de um evento de dancehall sendo gravada. © Sonjah Stanley Niaah

O trabalho de William é similar com o do jamaicano Jack Sowah, filmaker de dancehall que por anos gravou performances nas boates em Kingston. Além de construir um arquivo audiovisual, ele introduziu a tecnologia da transmissão ao vivo, onde as filmagens da câmera eram retransmitidas em TVs, do mesmo jeito que nos concertos uma tela gigante mostra pessoas específicas. No caso do dancehall (figura 5) essas pessoas aproveitam a visibilidade dada pelo filmaker e mostram seus melhores passos, suas melhores poses ou atitudes numa performance diferencial, no seu molho.

Em Salvador e em Kingston, os filmakers se destacam pela sua capacidade referencial, seja como mobilizadores das performances ou pelo seu trabalho de seleção, escolha e divulgação de arquivos audiovisuais. Se contribui então aos fluxos na medida na qual um “nós” é construído e referenciado a partir de convenções em suportes (digitais, visuais, sonoros) ou momentos específicos (shows, divulgações, músicas). A referencialidade como engajamento é uma das principais formas de articulação nos fluxos audiovisuais das festas de sound system. Ativar a festa não é só ir ou dizer que vou, mas também referenciar, ser referente e pelo tanto referenciado.

[1] Ainda que se tenham identificadores regularizados, imagem coordenada e arranjos visuais equilibrados, considero a denominação marca entre aspas para não fechar análises a lente da identidade visual no branding como disciplina de mercado.