Depois do sucesso de público da primeira temporada de Serial, foi com muita expectativa que o público e os fãs do podcast esperaram por uma nova temporada. Lançada em dezembro de 2015, sem muito alarde, a segunda temporada continua a ser recebida com controvérsia ainda hoje, com uma inevitável comparação com a primeira.
A comoção ao redor do podcast, inicialmente, não foi causada apenas pela história, mas pelo formato pouco usual para um podcast jornalístico até então, uma reformulação seriada da receita de sucesso que é o programa de rádio e podcast jornalístico-documental This American Life (TAL). Há 20 anos no ar, o TAL se dedica a contar histórias de personagens e da vida comum americana em episódios únicos. A história do assassinato da adolescente Hae Min Lee, morta em 1992, e do ex-namorado condenado pelo crime, Adnan Syed, diferentemente, foi publicada pela repórter Sarah Koenig em 12 episódios, lançados a cada semana, entre outubro e dezembro de 2014.
Em termos de recursos narrativos e tecnológicos, a série explora estratégias parecidas na segunda temporada, lançada entre dezembro de 2015 e março de 2016. Uma edição competente que faz toda a diferença na apreciação da história. Uma narração que dramatiza bem conteúdos que culturalmente estamos mais habituados a acompanhar através do audiovisual. Uma aproximação com o formato de séries de televisão, com a exploração de ganchos narrativos que fazem o ouvinte esperar pelo próximo episódio ou ficar curioso pelo que vem a seguir.
A abertura, assim como a da temporada anterior, se repete a cada episódio e nos ajuda a entender qual será o tom da segunda temporada e o percurso de investigação jornalística. Na abertura, podemos ouvir diversas notícias, em veículos de comunicação diferentes, sobre o caso do soldado americano Bowe Bergdahl, resgatado após ficar cinco anos sequestrado pelo Talibã, no Afeganistão. A cada fala, vão se adicionando repercussões e discursos contraditórios sobre o caso. Herói ou desertor? Bowe Bergdahl deve ser celebrado ou julgado e condenado por sua deserção? Uma construção narrativa que não inadvertidamente nos remete à história do herói de guerra americano sequestrado por extremistas islâmicos, à lá Homeland.
No episódio de estreia, Sarah inicia descrevendo um vídeo, divulgado pelo Talibã, do resgate do soldado americano Bowe Bergdahl. É a introdução do tema principal: a história controversa do soldado que abandona seu posto no Afeganistão e é sequestrado e mantido em cativeiro. Logo em seguida, ouvimos uma declaração do presidente Barack Obama no momento de divulgação do seu resgate.
A escolha de iniciar a história dessa forma, com a repercussão de diversas outras redes de comunicação dos Estados Unidos e um discurso do presidente do país, já direciona para a principal diferença entre as duas temporadas: não estamos mais acompanhando uma série sobre dois adolescentes desconhecidos, filhos de imigrantes, em uma comunidade periférica dos Estados Unidos. Este é um assunto de segurança nacional e repercussão internacional. E são essas questões, a comparação inevitável entre os dois tipos de assunto e os esforços de apuração e de narrativa que essas duas histórias tão diferentes geram, que parecem direcionar a recepção, o sucesso e as críticas sobre a segunda temporada de Serial.
Muitas das críticas à segunda temporada são também, inversamente, apontadas como os fatores que contribuíram para o boom da primeira temporada. A presença de Sarah Koenig, que na primeira temporada era marcada por ser papel de repórter-detetive, compartilhando não só a sua apuração sobre o caso, mas suas dúvidas e sentimentos sobre Adnan Syed, foi substituída por uma narradora que se posiciona menos, ou participa menos como personagem da trama, ao menos nos primeiros episódios. O tema, relacionado à guerra do Afeganistão, mesmo que seja um tema recorrente em noticiários em todo o mundo, é encarado em críticas brasileiras como “muito americano”, em comparação com o drama do assassinato, do feminicídio, e do mistério típico de drama policial, marcante na primeira temporada.
A primeira temporada de Serial foi celebrada por ser um frescor ao tão criticado campo do jornalismo tradicional, das grandes corporações midiáticas. Críticas à qualidade jornalística da segunda temporada de Serial não existem. Não há dúvida da extrema qualidade técnica, do esforço de apuração, da criatividade ao contar a história, dos furos gerados e do novo ângulo dado a uma história que já era amplamente divulgada pelos meios de comunicação, antes mesmo do episódio se debruçar sobre ela, do interesse público da sociedade americana no tema. A série tem o papel importante de discutir as consequências da presença americana no Afeganistão para os soldados e a população local.
Apesar de o número de downloads ser maior do que na temporada passada, o discurso prevalecente sobre Serial é que eles não conseguiram repetir o sucesso, nem sustentar o interesse do ouvinte ao longo dos episódios como a narrativa anterior. A crítica vem, inclusive, pela escolha de uma história que não é um mistério policial, como a que cativou os ouvintes anteriormente. Quanto mais Serial se aproxima dos valores tradicionais do jornalismo, menos interessante ele fica para o público em geral? Essa é a pergunta adjacente às críticas. Se o espanto inicial era como um podcast jornalístico de quase uma hora sobre um assassinato cometido em 1992 pode fazer tanto sucesso, agora a pergunta é exatamente oposta: por que um produto criado pelos mesmos produtores, com a mesma qualidade técnica e jornalística, com o mesmo formato, tido como inovador para um produto jornalístico, com a narração da mesma repórter, está envolto em uma narrativa de decepção e de falha e é descrito como “chato”?
Críticas como essas estão no radar dos produtores, que preferiram deliberadamente frustrar as expectativas por uma repetição da fórmula de mistério e fugir dos faits divers. Principalmente, após o sucesso de séries semelhantes na televisão como Making a Murderer (Netflix) e The Jinx (HBO). A escolha de um tema e abordagem diferentes condizem com os discursos de criatividade, independência e qualidade que envolvem os produtores, o This American Life e a tradição de rádio público americano. Para os produtores, Serial é um espaço de experimentação no formato podcast. “Encontrar uma fórmula e segui-la seria horrível. Seria terrível para nós como repórteres”, diz Sarah Koenig em uma entrevista para a Entertainment Weekly.
Os discursos de Sarah Koenig e dos produtores parecem confirmar essa percepção e escolha. Para eles, o sucesso é maior, mas para um público diferente do que acompanhava o caso de Adnan Sayed. As pessoas que acompanham a nova temporada de Serial não estão motivadas apenas pelo interesse em saber como irá terminar a temporada, até porque a história é amplamente conhecida, mas em discutir assuntos importantes trazidos pelo podcast. “As pessoas estão falando sobre coisas que nós esperávamos que elas estivessem comentando, que são essas questões mais gerais, sobre a guerra do Afeganistão. Por que estamos ainda nesta guerra? Como nós vamos continuar com esta guerra? O que significa ser um soldado? Como a política interfere nesses conflitos? Isso é ótimo. Isso me deixa muito feliz”, afirma Koenig.
Não é a primeira vez que as expectativas por uma segunda temporada de uma série de sucesso geram decepção. Na televisão americana, inclusive, isso é muito comum. É algo previsível depois de um grande hit. Mas isso não deixa de lançar a dúvida sobre se os produtores do Serial esgotaram, para eles mesmos, o formato que ajudaram a popularizar: o podcast jornalístico serializado. A resposta a essa pergunta só saberemos na próxima temporada de Serial.