Bahia: Porque não é só futebol

No último dia 14 de setembro, o Esporte Clube Bahia lançou em suas redes uma campanha de combate à homofobia: “Levante a bandeira”[1]. Além do curto vídeo com um depoimento de um torcedor, o time trocou as bandeiras de escanteio comuns da Fonte Nova, na partida do dia seguinte contra o Fortaleza pelo Brasileirão, por bandeiras com as cores do arco-íris, representando a comunidade LGBTQ+. Essa foi mais uma das várias campanhas do clube em prol de causas sociais que vem chamando a atenção dentro e fora do ambiente do futebol.

Em um vídeo curto, de pouco mais de um minuto, a campanha apresenta uma problemática responsável pela morte de tantos brasileiros e tão característica do ambiente futebolístico, seja por cânticos, xingamentos ou gestos: a homofobia. O personagem do material é Rafael, costureiro e torcedor tricolor. Através de sua narração, enquanto costura a bandeirinha do arco-íris, ele coloca de forma direta como ser homossexual no Brasil pode tornar “a linha da vida dele mais curta que a sua”, argumento reforçado pelas diversas manchetes e áudios de reportagens que trazem o cotidiano de crimes motivados pela homofobia.

Créditos: EC Bahia/Reprodução

 

O clube já havia se manifestado contra a homofobia neste ano. No Dia Internacional da Luta contra a Homofobia, 17 de maio, foi lançada uma nova camisa casual da marca do Bahia, onde uma linha com as cores do arco-íris corta o desenho de um campo de jogo e abaixo da frase: “Não há impedimento”[1]. Ainda na postagem de anúncio nas redes sociais era explicado o significado daquela data: “O Dia Internacional de Combate à #LGBTfobia marca a extinção do termo ‘distúrbios de sexualidade’ como doença na OMS”.

O assunto da homofobia há muito está presente no futebol, não só brasileiro mas também de outros países. Principalmente no ambiente do estádio, é comum se ouvir cânticos homofóbicos, xingamentos para jogadores rivais ou até do próprio time quando fazem algo errado, além de gestos. Mesmo assim, pouco ou quase nada é feito no intuito de mudar realmente esse cenário. Seja dentro ou fora do futebol, as campanhas do Bahia se apresentam como um sopro de mudança, argumento reforçado pelo destaque em diversos veículos de comunicação de todo país, sejam esportivos ou não. A torcida tem lotado o estádio e comprado as camisas promocionais, o que não afasta reações negativas, principalmente nas redes sociais, por parte de torcedores do clube, criticando a direção por ser “esquerdista e comunista”.

O material de combate à intolerância passa pela criação, em março do ano passado, do Núcleo de Ações Afirmativas, composto por funcionários do clube, professores, sociólogos e um time diverso de estudiosos e figuras importantes de diversas causas sociais. Seja com campanhas, pesquisas com torcedores e parcerias com órgãos públicos, o núcleo vem redefinindo o papel do clube no futebol e fora dele, servindo de inspiração para ações em outros times como Internacional, Grêmio e Fortaleza.

Já foram várias as campanhas coordenadas pelo núcleo. Somente em abril deste ano foram duas. Em homenagem ao Abril Indígena, o clube lançou o vídeo “Não tem jogo sem demarcação”[2], onde mostra uma tribo indígena realizando a marcação de um campo de futebol e através da metáfora do futebol defende a demarcação das terras indígenas. A segunda campanha do mês foi sobre a violência nos estádios, situação tão recorrente no país, e apresentou como provocação do debate uma camisa ‘camuflada’[3], que permanece neutra e ganha as cores do time apenas dentro do estádio, através de tecnologia de geolocalização.

Em parceria com a Defensoria Pública do Estado da Bahia, o clube lançou em agosto a campanha “Em nome do filho”[4], que traz um jovem torcedor que escreve cartas ao pai que não conhece e sonha em entregá-las. Durante o mês do dia dos pais, uma tenda da Defensoria, onde era possível tirar dúvidas de registro de paternidade e realizar exames de DNA, foi instalada na loja oficial do Bahia, na Fonte Nova. No início de setembro, foi lançado o vídeo “O Bahia pode ser visto e sentido de diversas formas”[5], onde apresenta um mesmo lance de jogo sem som, depois sem imagem e por fim com uma visão prejudicada, defendendo o respeito às pessoas com deficiência.

Uma das ações de maior destaque, com repercussão nos mais diversos veículos de comunicação, aconteceu em novembro de 2018 em homenagem ao Dia da Consciência Negra[6]. Em três partidas disputadas na Fonte Nova durante aquele mês, os jogadores foram a campo com nomes de personalidades negras. Na primeira foram nomes históricos como Dandara, Luiza Bairros, Mãe Menininha do Gantois, Zumbi dos Palmares e Ganga Zumba. Na segunda foram artistas, integrantes do movimento negro e ativistas, como Gilberto Gil, o repentista Bule-Bule, o antropólogo Kabengele Munanga, Mãe Jaciara e a influenciadora Tia Má. No último jogo da campanha, os jogadores utilizaram os nomes de jogadores negros com passagem pelo Bahia, como Cláudio Adão, Dadá Maravilha, João Marcelo, Fabão e o camaronês William Andem.

 

Créditos: EC Bahia/Reprodução

 

Seja pelas campanhas, planos de sócios mais baratos, camisas oficiais a preço mais acessível, o Bahia vem ganhando cada vez mais espaço nas discussões dos programas esportivos, mas também em outros locais como El País[1] e Carta Capital[2]. A partir da construção da imagem enquanto ‘clube do povo’[3] e em defesa às diversas lutas sociais, além da evolução em campo no cenário do futebol nacional, o torcedor vem se sentindo mais próximo do clube, que vem crescendo bastante o número de sócios e colocando grandes públicos na Fonte Nova.

O clube segue precisando avançar em diversas questões, como o preço dos ingressos, ainda de difícil acesso em uma cidade que sofre com tanta desigualdade social, e uma maior representatividade de negros e mulheres no Conselho Deliberativo e cargos administrativos. Além disso, reações negativas por parte de setores conservadores da própria torcida indica como esses temas ainda necessitam de mais espaço e discussão. No entanto, ao tocar e defender temáticas tão importantes, muitos sendo verdadeiros tabus no futebol como a homofobia, o clube aponta um debate que escapa da alçada futebolística e leva ao pé da letra a afirmação de que “não é só futebol”.

 

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[1] Link da matéria: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/20/deportes/1542753637_302970.html

[2] Link da matéria: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/voce-precisa-torcer-para-o-esporte-clube-bahia-veja-os-motivos/

[3] Link da campanha: https://www.youtube.com/watch?v=P_vrAUbKWHE

[1] Link da matéria sobre a camisa: https://navitrine.blogosfera.uol.com.br/2019/05/17/bahia-aproveita-data-e-lanca-camisa-contra-homofobia-nao-ha-impedimento/

[2] Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=TxW8cI6W0uM

[3] Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=xzp0DGSyehE

[4] Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=w0ZPNer-T5g

[5] Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=uxmyJdegNZI

[6] Link da repercussão: https://www.youtube.com/watch?v=Hf59YGqbfyY

[1] Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=BsaPLQbc0vU